– Padre, eu pequei.
– Conte, meu filho.
– Foi com uma mulher.
– Sim, prossiga.
– Passei por ela na rua.
– E aí?
– Aí senti um negócio, padre.
– Pode ser mais claro?
– Eu olhei pra ela, ela olhou pra mim…
– Estou olhando pra você, você pra mim, e não sentimos nenhum negócio.
– Mas ela é mulher e eu sou homem.
– Homens e mulheres se olham o tempo todo.
– Eu sei. Mas às vezes o homem sente um…
– Negócio?
– Isso, padre.
– Tente ser mais assertivo. Você achou a moça bonita, é isso?
– Ela tava bem arrumadinha.
– O que quer dizer?
– Quero dizer que ela parecia…
– Bonita?
– Fácil.
– Não entendi. Ela estava com roupas vulgares?
– Eu não diria vulgares. Eram insinuantes.
– E o que as roupas insinuavam?
– Que a moça tava disposta a fazer…
– Amizade?
– Negócio.
– Negócio?
– É, padre. Aquele tipo de negócio, sabe?
– Ela disse algo?
– Nada. Só me olhou.
– E você achou que ela estava disposta a fazer aquele tipo de negócio só por causa da roupa?
– Não, padre, foi o contexto.
– Que contexto?
– O lugar, o tipo de gente que vive ali…
– Que tipo de gente?
– Pobre.
– Se gente pobre fica arrumadinha é porque está disposta a fazer aquele negócio?
– Infelizmente é a realidade. O mundo não é perfeito. Não posso fazer nada.
– Claro que pode. Aliás, deve. Mas você não está aqui pra confessar sua omissão, certo?
– Isso mesmo. Vim pra contar o que aconteceu naquele dia. Posso seguir?
– Infelizmente pode. Você falava do negócio.
– Exatamente. Parei a moto. Cheguei perto. Ela tinha o cabelo escuro. A pele morena. O cheiro da juventude. Sinto falta desse cheiro, padre. Sou um homem de 67 anos.
– E ela?
– Parecia ter catorze.
– Catorze anos? É uma menina!
– Calma, padre. Reparei nos peitinhos. Ela parecia bem crescida.
– As aparências enganam.
– O engano é minha arte.
– E que arte então você fez?
– Olhei nos olhos dela.
– E ela nos seus?
– Isso.
– E ela era pobre e estava arrumadinha e por isso você pensou que ela estava disposta a fazer aquele negócio?
– Isso!
– E ela tinha catorze anos?
– Não mais que isso.
– E aí?
– Aí pintou o clima…
– Pintou o clima?
– O mundo não é perfeito, padre… Padre? Padre?
Comentários: