Opinião

A Ponte.

A Ponte.
(Foto: Andre Yukio Saeyki)

A foz do Rio Piçarras é o marco divisório – aliás, lindíssimo – entre duas cidades que sempre foram intensamente unidas. Ao norte, com sua longa praia de águas calmas, Balneário Piçarras. Ao sul, com suas enseadas deslumbrantes e seus sítios históricos, Penha. Mais que irmãs, cidades gêmeas. Nascidas de um mesmo núcleo. Forjadas por uma mesma história

Entre ambas, entretanto, um abismo se abriu. Foi um episódio recente, passageiro e felizmente superado. Ainda assim, um episódio de imenso valor simbólico. A ponte que ligava os municípios foi reconstruída. No lugar da antiga, uma nova e mais vistosa agora se estica entre as margens do Rio Piçarras. Mas entre o início da demolição da primeira e o fim da construção da segunda houve um grave hiato. Nesse ínterim, como dito, abriu-se um abismo. 

O contexto.

Em abril de 2018 o Jornal do Comércio informava:  “As Câmaras de Dirigentes Lojistas de Balneário Piçarras e Penha (CDL’s) entregaram aos prefeitos Leonel José Martins (PSDB) e Aquiles José Schneider da Costa (MDB) o projeto arquitetônico e executivo para a construção de uma nova ponte sobre o Rio Piçarras – na divisa dos municípios”.

A Imobiliária Vetter, também em 2018, dizia em seu site que “a parceria público-privada entrou em ação novamente para valorizar ainda mais as cidades e atrair novos veranistas e turistas”. E anunciava: “o objetivo (…) é que a obra, que tem um prazo de 60 dias para execução, seja finalizada ainda no ano de 2018”.

Entretanto, nada aconteceu em 2018. O projeto só saiu do papel em 2020, quando um novo anúncio ganhou as manchetes do site Notícias de Penha: “O projeto para a ampliação da ponte foi apresentado em abril de 2019 e custeado pelo empresariado local, através de uma parceria com as Câmaras de Dirigentes Lojistas de Balneário Piçarras e Penha. Os recursos para a obra, R$ 3,3 milhões, são provenientes de título de empréstimo com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).”

A conclusão da obra foi prometida para o aniversário de Balneário Piçarras, em 14 de dezembro. Três dias depois da data marcada, o Jornal Expresso da Praia anunciava:  “Prefeitura e Construtora prometem abertura de ponte até o dia 30”. De novo a promessa não foi cumprida. Em janeiro, novos adiamentos. Em 22 de fevereiro o NSC dava a seguinte manchete: “Moradores de Penha e Piçarras aguardam reforma da ponte que liga as cidades.”

Apenas em março a ponte ficou pronta – e o trânsito, enfim, foi liberado. 

Foto: Andre Yukio Saeyki

O abismo. 

De fato houve um abismo no período em que a antiga via de comunicação entre as duas cidades foi interrompida. No lugar da velha ponte agora havia tapumes. Em vez de veículos e pedestres e mercadorias e dinheiros a passarem dum lado ao outro, agora apenas o fluxo ortogonal do Rio. Nunca houve tamanha distância entre suas margens.

Pior: o abismo abriu-se durante a temporada de verão. Os comércios, de um lado e de outro, sentiram profundamente. Não só o Rio, também os prejuízos fluíram – caudalosos – por entre as cidades desconectas. 

Não há metáfora, portanto: foi de fato um abismo. Há talvez uma hipérbole. Mas mesmo os leitores mais exigentes a perdoarão. Os mais indignados, suponho, achá-la-ão justa. Também acho, justíssima. Modéstia à parte.  

A nova ponte. 

Enfim está pronta a nova ponte. Reconheça-se: é bela. Há certa sobriedade em seus detalhes negros, apesar do arco agudo de seu traço básico, que aliás se justifica: por baixo da ponte passam as embarcações, também elas um fluxo importante a unir as cidades e a lhes trazer divisas. 

Além disso, as curvas do Rio Piçarras são tão prolixas, tão completamente loucas, que o caminho náutico que ele descreve é em si uma grande atração. Não há um rio de curso tão errático quanto o Piçarras. Dá a impressão de que ele, notando a iminência do mar, quis retroceder, evitar, escapar ao destino amargo nas águas de sal. Talvez um dia a cidade reconheça a beleza do Rio que lhe empresta o nome. 

A nova ponte talvez acelere esse reconhecimento. Alta, ela não só abre caminho para as embarcações: abre também o horizonte dos que têm olhos pra ver. A visão é magnífica: a leste, a barra do Rio penetrando no mar; a oeste, suas curvas serpenteando na terra

Enfim, conclua-se: o episódio teve um final feliz. Assim, ao menos, espera-se. Pode o Tribunal de Contas ou o Ministério Público, eventualmente, dizer o contrário. Não sei dos detalhes contábeis e jurídicos; deixo-os para quem os compreenda. A mim importam o fato e o símbolo. A ponte é um e outro. E, convenhamos, isso é muito. 

Adão dos Açores

Adão dos Açores é natural da Penha, onde voltou a morar depois de longa ausência. Escreve sobre história e estórias.

Comentários:

Ao enviar esse comentário você concorda com nossa Política de Privacidade.