Arte

A ponto de explodir

A ponto de explodir
(📷 Sergio Tapiro | @tapiro)

A foto que ilustra este texto é uma obra-prima. O autor, Sergio Tapiro, passou 14 anos fotografando o vulcão Colina, no México. Sua persistência foi premiada: ele captou o instante extremo, o clímax visual, a imagem definitiva do vulcão: o auge da erupção sob o raio de uma tempestade. A beleza da fotografia decorre justamente dos fatores antípodas em sua criação:  a imagem efêmera e explosiva e a longa perseverança do artista, que dedicou a essa obra boa parte de sua vida.

Nós raramente pensamos na vida com esse distanciamento. Em regra, somos imediatistas. Pensamos em como será o dia de hoje, o de amanhã, a data sublinhada em nosso calendário. Nosso pensamento se fixa em momentos curtos, em eventos determinados, em pequenos recortes do tempo. A astrologia ocidental também é assim: ela pretende dizer como será o próximo dia, a próxima semana, o próximo mês. Mas é incapaz de estender a visão sobre o nosso horizonte. Não ousa dizer como será a nossa época. 

Acontece que tenho pensado sobretudo nisso: em nossa época. Lamento admitir que nessa reflexão os mapas astrais me ajudam muito pouco. De nada adianta saber que o Sol segue em Libra, que a Lua será cheia em Áries, que Vênus sofre em Sagitário os influxos de Plutão. Todos esses são eventos curtos, arranjos efêmeros, fenômenos que se estenderão por poucas semanas, ou dias, ou horas. O que eles dizem sobre nossos anos? Sobre a nossa década? Sobre este dito século XXI?

A astrologia oriental, diante dessas perguntas, talvez tenha algo mais a dizer. Cada ano é um dos doze bichos. Cada bicho combina-se com um dos cinco elementos. Cada combinação desdobra-se na dualidade yin e yang. Essa projeção astrológica risca um arco longo no tempo. Os anos e as décadas assumem uma coloração especial nesse grande mosaico. Eu passo e repasso os olhos sobre suas tantas cores. Mas não encontro as respostas que busco. 

Minhas perguntas são simples: aonde estamos indo? A que abismo estamos descendo? Por que essa época parece tão ameaçadora, tão capaz de ressuscitar antigos pavores, tão propensa a padecer sob os nossos grandes erros? Por que insistimos, ao seguir as grandes bestas, em cometê-los novamente? Por que novamente imergimos neste transe em que somos capazes de provocar a grande tragédia?

Sinto cada vez mais a iminência dessa tragédia. Não se trata de uma previsão astrológica. Ao contrário: os astros, diante dessa minha triste sensação, parecem tão atordoados quanto todos nós. Porque sim, estamos todos atordoados. Os que temem a tragédia. E os que festejam seu odor de podre. Os astros vão nos guiando na floresta densa desses dias em que vivemos fingindo que tudo segue normalmente. Mas não nos permitem lançar a visão ao horizonte – e ver a aurora despontar nas bordas da noite.  

Isso nos angustia. A astrologia não nos liberta. Presos a essa angústia, sentimos o peito opresso. Seguimos cada vez mais nervosos. Ficamos a ponto de explodir. Talvez, como o vulcão Colina, venha-nos o instante da grande erupção. Talvez, como Sergio Tapiro, tenhamos justamente a missão de captar esse instante. Talvez seja esse o destino de nossa época: conceber a obra-prima de um novo tempo. 

Cármen Calon

Cármen Calon é astróloga com amor pela, e às vezes pânico diante da, astronomia.

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