Opinião

A quebra do piso

A quebra do piso

A frase caiu como uma bomba: “vamos quebrar o piso”. Paulo Guedes revelava assim, com esse slogan iconoclasta, seu plano sobre o reajuste do salário mínimo e das aposentadorias. Ou melhor: sobre o fim do reajuste. Atualmente a Constituição manda aumentá-los ao menos na medida da inflação. Guedes quer o fim desta regra. Ele pertence a um governo em que o salário mínimo e as aposentadorias não tiveram aumento real. Em quatro anos, apenas se cumpriu o dever de reajustá-los “no piso” – e nem um centavo a mais. O que fará esse governo nos próximos quatro anos, se não tiver esse dever por cumprir?

Após quatro anos desse governo, os números são assustadores. 63 milhões de brasileiros vivem com renda mensal inferior a quinhentos reais. 80% das famílias estão endividadas. 5% da população vive em estado de extrema pobreza. 33,1 milhões não têm garantido o que comer, o que representa 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome. Mais da metade (58,7%) da população convive com a insegurança alimentar.

Sim, você leu direito: mais da metade do nosso povo enfrenta diariamente este drama absurdo – o risco de não ter o que comer. Tente se imaginar um pai ou uma mãe que não sabe se poderá alimentar os filhos. Conseguiu? Tente mais uma vez. Imagine seu filho chorando de fome. Seu salário se esgotando depois de poucos dias. A inflação aumentando o valor da comida, da água, da luz. Insisto: feche os olhos, concentre-se, imagine.

Agora ouça novamente as palavras de Paulo Guedes: “vamos quebrar o piso”.

Você perdeu o chão? Pois deveria. Afinal, é disso que se trata: da quebra do piso, da falta de chão, do poço sem fundo em que desaba o Brasil. Milhões estão caindo na penúria. Milhões gargalham indiferentes a isso. Nosso drama não se resume à pobreza. Nossa pobreza é existencial: perdemos a sensibilidade à tragédia humanitária que criamos. Não há limite pra nossa miséria – social e moral. Não há mais o solo comum que habitamos. Vazamos como gotas imundas pelas fendas do piso quebrado. Despencamos num abismo histórico – e sorrimos imersos no delírio solipsista de voar nas sombras.

Vítor Véblen

Vítor Véblen é iniciado em literatura política. Viveu em Chicago, onde estudou economia. Mora atualmente em Joinville.

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