Arte

Algum segredo

Algum segredo


Sábado e só.

Amanhã é domingo. E só.

Tenho esquecido de molhar as plantas, as flores, o jardim.

Coloquei um ponto final numa frase que durou anos. Fiquei aliviado.

Quis começar uma frase nova, bonita, literária, proseada, poética, lírica. Mas era sábado.

Sábados não fazem bons começos, menos ainda em planos corajosos demais.

Me disseram que eu poderia e eu acreditei. Não sei se devia ter acreditado, pois era sábado.

Esse “eu” tudo isso me cansa. Sempre eu, primeira pessoa, responsável, culpado, porta que se abre, porta que se fecha, para vida, para morte. Clichê barato de um drama que se arrasta e não acaba.

Vejo formigas perdidas que acham que já é primavera e o inverno nem começou.

As laranjas apodrecem na árvore. Ninguém aguenta mais tantas laranjas.

Formigas e laranjas perdidas. E eu, talvez como elas, só quero outra coisa, ser mais louco ou mais normal para escrever alguma coisa que não seja esse “eu”. Mas é sábado.

Me sinto entre dois mundos, no caminho longe da casa de saída e longe da hospedagem de chegada. Apoesia e a prosa. Um meio do caminho que não se encaixa. Prosa poética é prosa sem consistência ou poesia sem respeito. Tipo um sábado. Mas amanhã é domingo e só.

Numa certa fase da vida os homens se assentam numa história já montada e começam a recusar riscos, optam por não mexer numa receita que dá mais ou menos certo. Seguem então até o fim, conquistam algumas coisas, perdem outras. Começam academias e terminam doentes. Uma normalidade cíclica que impera desde que o homem é uma palavra.

Eu, como também sou palavra, dei de ombros às mínimas garantias conquistadas durante anos. E agora, José?

Ah, queria muito conhecer o José, esse aí do “E agora”.

Esse do Carlos, que o anjo torto disse para ser gauche na vida.

Diria a ele que choro sempre que leio.

E José não responde. Só Carlos que diz e pergunta. Vai ver que era sábado.

Meu deus, não sei onde isso vai dar.

Meus pensamentos são absurdos. Penso, penso, penso, me pergunto quem sou, quem é o outro, o Outro, para que tudo isso, para onde vamos, eu respondo duvidoso num debate longo e exaustivo, eu afirmo, eu nego, eu recuo, eu vou adiante e penso…Estou muito cansado de pensar e não afirmo quem sou, tenho certo pudor de afirmar qualquer coisa, justamente no sábado.

Principalmente com as nomeações. Ser qualquer coisa, escritor, psicanalista, amigo, pai, homem, são apenas enquadres, caixas sem perguntas que existem em construções de pensamentos sobre o que é certo ser. É preciso guardar segredo, algum segredo qualquer, alguma dúvida, divisão de si, desse “eu” que não sabe tudo. Porta de fuga da normalidade.

A vida nos empurra para essa certa constância ilusória, dos dias, das horas, do outro. Mas a palavra não.

Sem nenhum pudor eu digo, hoje é sábado. E só. Amanhã é domingo. Esó.

O que faremos com nossos segredos?

Wagner Rengel

Wagner Rengel quis ser silêncio depois pássaro depois peixe depois vento depois grilo quis ser gente depois nada. Mora em Curitiba.

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