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Charlie Watts: handsome

Charlie Watts: handsome

Queríamos um adjetivo para Charlie Watts. Baterista dos Stones por quase meio século, ele merece este nosso esforço. Não que ele precise disso, adjetivos ou qualquer outra palavra. Nós é que precisamos: hoje, no dia de sua morte, julgamos ser uma obrigação buscar uma palavra à sua altura. 

Pensamos em vários adjetivos. Primeiro, em alguns que ressaltam sua posição na história da música: lendário, único, fundamental. Depois, em outros que apontam seu estilo: fino, elegante, preciso. Finalmente, em qualquer um que o descrevesse como homem: sóbrio, correto, admirável. Todos esses adjetivos lhe caem bem. Mas nenhum o resume. 

Então nos ocorreu este que dá título ao texto: handsome. Lamentamos que venha em inglês. Mas a palavra é insubstituível – e, acrescente-se, vem da língua-mãe daquele a quem se dirige. A tradução mais corriqueira seria “elegante” ou “fino”. Traz a ideia de algo apolíneo. Mas não é o único sentido da palavra. O étimo “hand” sugere jeito, habilidade, precisão: muito adequado a um baterista. A palavra evoca a beleza dos gestos exatos, da postura irretocável, da expressão clássica.

A música de Charlie Watts era assim. Dava impressão de que ele contava as batidas das baquetas nos tambores: não poderia haveria nem uma a mais, nem uma a menos. Tocava à moda do jazz: com leveza, agilidade e precisão. Não fosse ele, os Stones não seriam a banda de tão fina estirpe que sempre foram.

A aparência de Charlie Watts também era assim. A finesse dos trajes, sempre impecáveis, é notória. De novo este era um traço que parecia afastá-lo da estética “rock ‘n’ roll”. Ledo engano: isso apontava seu compromisso com a música, expressando a ela o máximo respeito. 

A vida de Charlie Watts, sobretudo a vida, era assim. Ele era discreto. Preservava com perfeito cuidado a família, os amigos, os limites de sua privacidade. Soube recolher-se num espaço onde pôde ser um homem “comum”: marido, pai, avô. Não custa lembrar: ele foi o baterista dos Stones! Durante quase meio século!

Handsome: eis o adjetivo para Charlie Watts. Na data de sua morte, tristíssima data, conforta-nos o fato de que tenhamos achado uma palavra que lhe seja tão justa. Afinal, é essa justeza o que ele mais apreciava – e, sem dúvida, o que nele mais havia a apreciar. 

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