Opinião

Como estão no Afeganistão?

Como estão no Afeganistão?

As cenas do aeroporto de Cabul são fortes. Há um desespero coletivo. Há uma confusão generalizada no Afeganistão. E também sobre o Afeganistão. Tentamos entender o que lá se passa. Mas essa tentativa é sempre incompleta. Nunca saberemos o bastante. Em todo caso, nossa curiosidade é saudável. Tentar entender o Afeganistão ajuda a conhecer os riscos que todos os povos pobres do mundo enfrentamos, especialmente quando sujeitos ao poder armado de fundamentalistas religiosos. A situação trágica daquele país revela algo sobre o mundo. 

Já falei, aqui na Abertura, da minha visão de mundo. Criei uma teoria geopolítica pra uso particular. Batizei de teoria losangular: Washington, Pequim, Moscou e Jerusalém são os quatro vértices de um losango, os quatro pólos de poder. Qualquer evento político, em qualquer nação do mundo, resulta da interação dessas quatro forças. No caso do Afeganistão, Washington e Moscou parecem protagonizar o duelo de influências; mas é impossível compreender o que aconteceu – e projetar o que acontecerá – sem considerar os interesses de Pequim e Jerusalém.

A tragédia afegã ainda ecoa os tempos de Guerra Fria. Em 1978 o partido socialista, com a ajuda dos militares, tomou o poder em Cabul. A União Soviética apoiou os revolucionários. Os Estados Unidos armaram a oposição. Por dez anos, a partir de 1979, houve guerra: de um lado, o governo apoiado pela URSS; de outro, a resistência apoiada pelos EUA, controlando parte do território do país. 

A resistência era ultraconservadora. Seu discurso ecoava o fundamentalismo islâmico. Seu inimigo era o comunismo ateu. Paquistão e Arábia Saudita também apoiaram o movimento. Osaba bin Laden chega ao Afeganistão em meados dos anos 1980. A semente da Al Qaeda estava lançada. A do Talibã também. 

No início dos anos 90 a União Soviética se desintegra. O governo comunista de Cabul perde o apoio externo. Os talibãs chegam ao poder em 1996. Houve então um período trágico. As mulheres foram “encarceradas” em suas casas ou em suas burcas. Livros e obras de arte foram destruídos. A liberdade de crença e de expressão foi duramente restringida. Um número inestimável de adversários do regime foram executados. Poucas vezes se experimentou tamanho retrocesso civilizatório. 

Em 2001, após o ataque ao World Trade Center, os EUA caçavam Osama bin Laden. O governo afegão lhe dava refúgio. De antigos patrocinadores, os americanos se tornaram inimigos dos talibãs. George W. Bush decidiu invadir o país. Cabul caiu em pouco tempo. Por duas décadas os soldados do Ocidente estiveram ali, dando lastro a um governo de títeres. Com Trump decidiu-se a retirada dos EUA. Com Biden, ela se consumou. 

Nem bem os helicópteros decolaram levando soldados e burocratas de volta à América, os Talibãs tomaram Cabul de assalto. Boa parte da população afegã está desesperada. Multidões invadiram o aeroporto. Agarram-se aos aviões, como se assim pudessem fugir. As cenas denotam o pavor que os talibãs inspiram. 

Washington anunciou uma tentativa de moderar a situação. Jerusalém teme a ascensão, numa área entre o Irã e o Paquistão, de um governo alinhado ao desses dois países. Moscou vê antigos inimigos tomarem o poder num país que tanto atraiu sua preocupação. Pequim assiste a tudo a uma distância segura, mas com proximidade suficiente pra estender sua área de influência. 

O Afeganistão é o maior produtor de ópio do mundo. Situado entre a Índia, a China e a Rússia, tem localização estratégica. Berço da Al Qaeda e palco do mais extremista regime islâmico, pode tornar-se um barril de pólvora. Se esse barril explodir, pode haver uma reação em cadeia – até porque o país é vizinho (e provavelmente será aliado) de dois países que dominam a tecnologia nuclear. As consequências são incogitáveis.

No solo afegão a bomba já explodiu. O horror do regime extremista ultraconservador já se espalha. Fica clara, uma vez mais, a lição: a fé e as armas não devem estar juntas. Se o poder político alia-se ao fundamentalismo religioso, então ambas se corrompem – a política e a religião. O Afeganistão vive um pesadelo por causa dessa aliança. Nós, os povos pobres do mundo, vivemos à sombra desse risco.

Vítor Véblen

Vítor Véblen é iniciado em literatura política. Viveu em Chicago, onde estudou economia. Mora atualmente em Joinville.

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