Opinião

Darwinn Harnack: Sobre ausência de felicidade

Darwinn Harnack: Sobre ausência de felicidade

Vivemos uma época ditada por frases prontas, supostas verdades cristalizadas que dispensam reflexão por aparentarem fazer sentido.

Uma dessas frases, repetida à exaustão por escritores de autoajuda, “coaches” e palestrantes motivacionais, é a de que “a vida existe para sermos felizes”. Há também aqueles que dizem que “temos a obrigação de sermos felizes” ou de que “o objetivo da vida é sermos felizes”.

São frases muito belas, mas não encontram ressonância na vida real.

Pessoalmente, acho irritante ver pessoas sorrindo forçadamente para ocultar suas angústias existenciais, enquanto repetem mecanicamente esses mantras como se fossem escudos contra o natural estado de ausência de felicidade.

A vida existe e ponto final. Ela é aquilo que torna possível você ler essas palavras, mas que flui independentemente de conceitos humanos como os de felicidade ou infelicidade, por exemplo.

Sim, felicidade e infelicidade, bem e mal, bom e ruim, céu e inferno, são construções e, como já mencionei neste espaço, apesar de ser atualmente dominante, a espécie humana é apenas uma dentre incontáveis outras. 

Para começar a falar sobre felicidade, digo que sequer existe um estado estável de felicidade. Todo sentimento agradável é passageiro, assim como todo sofrimento também passa. Tudo é transitório, exceto a própria transitoriedade.

A incessante busca por arroubos de felicidade pode também trazer frustrações ou infelicidades de inversa proporção.

Ao contrário do que nos dizem os comerciais de televisão e de internet, não existe um troféu denominado “felicidade” que, uma vez conquistado através da compra daquele automóvel X, ficará em nosso poder. Segurar a água de um rio com as mãos talvez seja mais fácil do que reter uma sensação de felicidade.

Pense em qualquer bem material que você deseja e verá que, toda percepção de satisfação pela aquisição será fugaz, seja porque o sonhado carro estragará ou porque ficará obsoleto, ou porque será batido, riscado, etc. Da mesma forma, a casa dos sonhos precisará de manutenção constante, gerará despesas, incômodos, desgostos e por aí vai.

Faço aqui uma digressão para dizer que o sentimento decorrente do consumo não chega sequer a ser “felicidade”. Talvez seja, quando muito, uma anestesia temporária ao mal-estar existencial humano ou, por vezes, uma distração para um cotidiano desinteressante.

É por isso que a sociedade de consumo precisa de insatisfação e mal-estar. Uma dose de insatisfação a ser anestesiada ou atenuada com promessas de felicidade em sorrisos de atores, faz vender mais.

Encerrada a digressão e voltando ao raciocínio inicial, conseguir um lindo marido ou mulher também trará problemas, desgostos e infelicidades, que podem ser os mais diversos, passando por infidelidade, problemas financeiros ou de saúde, dentre tantas outras surpresas que a convivência pode trazer.

Ter filhos pode ser altamente satisfatório e gerar muitos momentos de felicidade, mas nem essa felicidade é perene e pode ser interrompida por uma série de fatores semelhantes aos já mencionados.

Todos deveriam ser menos cobrados pela busca padronizada desse troféu chamado “felicidade”. Viver em paz deveria ser algo suficiente, afinal é possível que não procurar por momentos felizes, seja a via mais simples, direta e natural de obtê-los. 

Darwinn Harnack

Darwinn Harnack é advogado e professor.

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