Opinião

Nós vemos o que somos

Nós vemos o que somos
Eco e Narciso - John William Waterhouse, 1903

Li esses dias que a admiração que você sente por outra pessoa nada mais é do que o seu próprio potencial nela projetado.

Já dizia Rubem Alves: “nós não vemos o que vemos, nós vemos o que somos”.

Então é por isso que admiramos determinadas pessoas? É por que vemos nelas um pedacinho de nós mesmos e como belos narcisistas, admiramos? Essa admiração pelas pessoas não seria secundária, fruto da admiração primária por nós mesmos?

Seríamos novas versões de Narciso contemplando a própria beleza (ainda que interna) no reflexo do outro, que por sua vez, supriria a vez do lago no mito original?

Narciso é um personagem da mitologia grega, filho do deus dos lagos, Cefiso e da ninfa Liríope. Ele representa a vaidade.

Era dotado de tamanha beleza que não lhe faltavam pretendentes. Ele, porém, desprezava todos. Narciso acreditava que ninguém era bom o suficiente para ele.

Certo dia, Narciso perseguia caça na montanha e, tendo se separado de seus companheiros, gritou:- Há alguém aqui?

Quem respondeu foi Eco, uma ninfa amante dos bosques. Eco era vítima de uma maldição imposta pela Deusa Hera e foi condenada a repetir as últimas palavras ditas pelas pessoas. Ela jamais poderia falar em primeiro lugar.

Impedida pela maldição, Eco não podia dialogar verdadeiramente com Narciso e as repetições das palavras por ela acabaram-no deixando irritado.

Eco, ao lançar-se nos braços de Narciso, foi por ele repelida.

Narciso fugiu e Eco foi se esconder nas sombras dos bosques e das montanhas. A partir de então, Eco passou a viver escondida, até seu corpo definhar e restar-lhe tão somente a voz. Eco continua disposta a responder quem a chamar, repetindo a última palavra dita – essa é a origem do eco.

Sem remorso, Narciso continuou a desprezar todas as pessoas que por ele se interessavam.

Certo dia, uma donzela desprezada por Narciso implorou aos deuses para que um dia ele viesse a saber o que era o amor e não ser correspondido. Nêmesis, a deusa da vingança, atendeu-a.

Durante um passeio pelo bosque, Narciso encontrou uma fonte de água cristalina intocada. Debruçou-se sobre ela e, sem se dar conta de que se tratava de seu próprio reflexo, viu um belíssimo jovem olhando diretamente para ele. Apaixonou-se por si mesmo.

Seu amor, todavia, não era correspondido. Narciso não podia nem abraçar e nem beijar seu amado. De todo modo, ele não conseguia deixar de admirar tamanha beleza.

Narciso passou seus dias admirando seu amado, demasiadamente deprimido por não tê-lo em seus braços, até que pouco a pouco foi perdendo suas cores, sua beleza e seu vigor, definhando à beira da fonte de água.

Da mesma forma como podemos ter uma perspectiva positiva das pessoas, admirando-as por sua similaridade conosco, podemos julgá-las negativamente, justamente em razão dessa similaridade.

Muitas vezes, nossos julgamentos do outro escondem nossos próprios defeitos.

Por isso, ao julgar alguém, se questione. Você está falando do outro ou de você mesmo?

Todo mecanismo de defesa é uma estratégia utilizada pelas pessoas a fim de protegerem-se de aspectos que não dão conta de lidar ou pensar.

A projeção, por sua vez, é um mecanismo de defesa por meio do qual o ego (ah, o ego) “acredita” que está no controle da situação, enquanto “transferimos” a outras pessoas nossos pensamentos, sentimentos ou características que não reconhecemos
ou não aceitamos em nós mesmos.

Quando fazemos essa projeção, ao julgar o outro, possivelmente atribuímos a ele algo que é nosso e que não enfrentamos.

Afinal, nos causa menos dor condenar as características que julgamos inaceitáveis no outro do que reconhecer que essas são características nossas – e com as quais não queremos lidar.

Para deixarmos a projeção para trás, é preciso identificar e enfrentar esses pensamentos, sentimentos e características conflitivos.

Fato é que, a maioria de nós vê tudo, menos o outro.

Nossa vida é um espelho, de modo que nossa visualização do cenário exterior são reflexos de nossa perspectiva interior.

Vemos no outro um reflexo de nossas expectativas, dos nossos traumas, da nossa criação.

Nossa percepção (e julgamento) das pessoas e das situações estão intrinsecamente ligadas ao nosso subconsciente e, consequentemente, interpretamos as pessoas e situações de acordo com nossos padrões internos.

É comum, portanto, que uma pessoa tome determinada medida, baseando-se em determinado raciocínio, buscando atingir determinado objetivo e que nós interpretarmos todos esses atos de forma diversa, baseada em como nós conduziríamos a situação.

Porém, essa é uma conta que não fecha e, portanto, está fadada ao fracasso.

Cada vivência é única, motivo pelo qual é inviável interpretar os atos alheios com base em nossos padrões internos.

Seja gentil com você. Se se conheça, se cuide, se acolha e se perdoe. Saiba efetivamente quem você é e o que você busca na vida. Não tenha medo de descobrir suas sombras e, quando as descobrir, tenha empatia pelo outro. Você não sabe com quais sombras ele está lidando.

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