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O dia fora do tempo

O dia fora do tempo
Foto: Sebastien Nagy (@sebastien.nagy no Instagram)

Ontem, quando os primeiros raios do sol riscaram a noite enquanto a Lua navegava as águas de Aquário, notei o brilho de Aldebarã no meio do Céu. A estrela de Touro brilhava intensamente. Bem mais intensa, porém, uma estrela surgiu no horizonte sobre o mar. Era Sírius. Seu brilho durou poucos instantes: logo nasceu o Sol que ofuscou tudo. Mas durante aqueles poucos instantes houve a pura luz da grande estrela. 

Essa mesma luz dizia aos egípcios, há milhares de anos, que um novo ano começava. Sírius nascendo em Hélio determinava um novo ciclo de 365 dias. Essa data era um rito de passagem: um fim e um recomeço. 

Mas há quem veja nessa data nem um nem outro – nem recomeço nem fim. Essas pessoas seguem um outro calendário. Para elas o ano é o transcurso de treze ciclos lunares, cada um com exato vinte e oito dias. Multiplique os fatores: 13 vezes 28 é igual a 364. Quase um ano exato, que começa no dia 26 de julho e termina do dia 24 do mesmo mês do ano seguinte. Sobra o dia 25 de julho, o nascimento heliacal de Sírius, a data em que os antigos egípcios celebravam o início do ano. Para esses que seguem o calendário das treze luas, essa data – ontem – não pertence a ano algum. Não pertence a qualquer ciclo temporal. É o dia fora do tempo. 

Dizem que o calendário das treze luas vem dos maias. Não posso afirmar. Em todo caso, é interessante. Não porque, como dizem seus seguidores, é rigorosamente matemático. Mas porque é ousado ao propor uma cronologia não linear. O dia fora do tempo é uma pausa, uma interrupção do fluxo, um golpe paralisante desferido no peito de Cronos. Quão magnífico é o homem ao pretender parar o tempo! Ou melhor: ao ousar, durante longas vinte e quatro horas, viver em total indiferença à fúria daquele monstro devorador!

Ontem, logo depois de se apagarem os últimos raios do Sol, a Lua nasceu navegando as águas de Aquário, enquanto Antares brilhava no meio do Céu. Impressionada com a beleza da noite, eu disse algo sobre as treze luas a quem se dispôs a me ouvir. E disfarcei, aliviada, as lágrimas que me escaparam, translúcidas e luminosas como os cristais que trazíamos nas mãos. 

Cármen Calon

Cármen Calon é astróloga com amor pela, e às vezes pânico diante da, astronomia.

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