Opinião

Paulo ou Abel? 

Paulo ou Abel? 

Passado o fim de semana, em que o Palmeiras disputou o título mundial de clubes e o Flamengo divertiu as criancinhas num cotejo tropical com o Nova Iguaçu, esta pergunta me ocorreu: Paulo ou Abel? Qual dos dois portugueses é o melhor treinador? Quem eu gostaria de ver no meu time? 

A pergunta é retórica, claro. Não apenas porque Paulo Souza já é o treinador do meu time. Mas sobretudo porque Abel Ferreira não tem a menor chance de ser. Isso não bastasse, há um problema: eu quase não conheço o trabalho daquele. Nem eu nem a torcida do Flamengo. Foram apenas três jogos e dezenas de experimentos. Nenhuma conclusão definitiva se pode tirar disso. Portanto, diante daquela pergunta, eu deveria simplesmente responder: “não sei”. Mas, porém e todavia, não é essa minha resposta. Entre Paulo e Abel, já sei quem escolher. Ou melhor: sei muito bem quem eu jamais escolheria pra ser o técnico rubro-negro.  

A atuação do Palmeiras no sábado foi de feiura obscena. Corrigindo: não a atuação em si, já que os jogadores fizeram o que o foi possível. Obscena foi a montagem do time, a definição tática. Obsceno foi Abel Ferreira. Na maior parte do jogo o time se postou com uma linha “baixa” de seis jogadores. No meio-campo, Danilo e Zé Rafael corriam atarantados como se fossem penetras num churrasco do Chelsea. Dudu e Veiga, mais à frente, choravam de saudade da bola. Abel criou um novo esquema tático: o seis-dois-dois. Horrível, covarde, obsceno. O jogo de sábado deveria ser proibido pra menores de dezoito anos. 

Enquanto isso, nalguma noite carioca, Paulo Souza pensava nos detalhes do novo esquema rubro-negro: um três-quatro-três, com Felipe na primeira linha e Ribeiro na segunda, pela ala. Parte da torcida (e da imprensa) já tem chamado o nosso Portuga de Professor Pardal. Tolos. Não compreendem os experimentos do treineiro porque não visualizam o esquema. Com apenas três “zagueiros” o time “ganha” uma vaga nas duas linhas da frente. Essa vaga pode ser do Pedro. No fim do jogo de domingo, Arrasca fazia com Andreas a dupla de volantes. Pode-se pensar num “once de gala” com Pedro entre Gabi e BH, sem abrir mão de Éverton, Arrasca e Andreas. O esquema abre espaço ao que há de melhor no elenco. Contempla toda a fúria de nosso poderio ofensivo. 

Exatamente como faz o Chelsea. Tuchel, o treineiro alemão dos ingleses, joga com três zagueiros, dois alas e dois meias, e três atacantes “soltos”. Organiza um ataque de sete jogadores. Essa organização remonta a uma antiga tradição. O esquema WM – da seleção de 1950, por exemplo – teve esse mérito. A chave desse esquema parece ser o papel dos dois pontas-de-lança. No Chelsea, Havertz e Mount. Na seleção de 1950, Zizinho e Jair. No Flamengo, Gabi e BH? 

A novidade do momento é a forma como esses times “intensificam” determinados momentos do ataque. De repente os alas sobem. A linha mais avançada passa a ter cinco jogadores. O esquema muda de um três-quatro-três pra um três-dois-cinco. Isso desnorteia os adversários. É um soco no queixo. Os times de Tuschel armam esse “golpe” há algum tempo. A seleção de Joachim Law também. Receio que isso seja uma contribuição alemã para a evolução do esporte.  

Abel Ferreira sabia de tudo isso. Foi por isso, sem dúvida, que montou esse monstrengo tático, esse escandaloso seis-dois-dois. Ele organizou um time obcecado por neutralizar o poderio adversário. Mas praticamente incapaz de reagir, de contra-atacar, de vencer. O Palmeiras parecia condenado a perseguir sua tábua de salvação: o empate e os pênaltis. Já dizia Nélson Rodrigues: “sem coragem, não se vence uma disputa de cuspe à distância”. 

Paulo Souza também está atento à evolução do futebol. Também conhece os truques de Tuchel e Law. Só que reage a isso de outro modo: absorve as ideias. E sobretudo: aplica-as. Tem nas mãos um time que convida a experimentá-las. Um time não, uma instituição: não há nada que combine mais com o Flamengo do que essa paixão ofensiva.

Sim, sim, eu sei: tenho que ser mais realista. Paulo Souza pode não sobreviver ao campeonato carioca. Já Abel Ferreira é considerado, não sem justiça, um dos mais importantes treinadores da história do Palmeiras. Sim, sim, eu me rendo: a minha resposta àquela questão era irracional. Entre Paulo e Abel, há mais razões pra escolher este último. Mas, porém e todavia, eu ressalvo: nem só de razão se faz minha análise – e tampouco o futebol em si mesmo. Gosto de times que atacam. Gosto de técnicos que ousam. Gosto da postura corajosa. Não sou flamenguista por acaso. 

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