Eu já morri algumas vezes. Em todas elas, eu renasci. Para quem morre, só tem uma saída. Já nascer pela primeira vez exige uma força que sabe-se lá de onde surge. Disso ninguém se lembra. Renascer já é outra coisa, difícil de esquecer. Não é de hora para outra. É devagar. Bem devagar. Começa no fim do susto, depois que a morte, satisfeita, vai embora. Olha ao redor, sente-se perdido, bem mais do que quando estava assustado, onde sabe-se muito bem onde está. Ao redor se vê, se fala. Toma todas as medidas para limpar a bagunça que a festa da morte deixou. Pode até parecer organizado, objetivo, no entanto está completamente perdido, agarrado no último fio da vida com algum resto de memória de como se faz quando tudo acabou. Por dentro, enquanto fora varre os cacos das janelas esperançosas, é um vazio, oco de tudo, fazendo eco: e agora? E agora? E agora? Renascer é devagar. Bem devagar. Quanto mais trabalho resta, melhor. Ninguém quer saber do vazio. Mas, uma hora, o trabalho acaba e aí que, de fato, há o que se fazer. Pois, se suturam a pele por fora, por dentro, há que se abrir a alma. Gente que renasce nunca mais volta. Algo fica para trás e não adianta tentar buscar. Uns se compensam, recompensam, põem em Deus a causa e o efeito. Agradecem a chance de seguir. Outros, esquecem das crenças, se agarram onde podem, parecem loucos atrás do que foi perdido. Há os que choram, lamentam. É que dói saber que perdeu, se perdeu. Demora. Vai tempo para se encontrar. Quem sabe quanto tempo leva, não sabe que nascer e morrer são instantes fora do tempo. Nunca mais, depois da última vez que morri, achei em mim o falecido. Demorei tanto para perceber que, enquanto tentava encontrá-lo, só ouvia o eco luminoso de um desconhecido de mim, o único vivo, que reverberava minhas próprias palavras: e agora? E agora? E agora? Foi devagar. Bem devagar. Difícil de esquecer.
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